Supervisor NR-35: O Anjo da Guarda ou Apenas Mais um Burocrata nas Alturas?
Em um país onde as regras de segurança do trabalho muitas vezes parecem mais sugestão do que lei, a figura do supervisor da Norma Regulamentadora 35 (NR-35) surge como uma espécie de promessa. A promessa de que o trabalho em altura, uma das atividades que mais mata e mutila na construção civil e na indústria, pode ser feito sem que o trabalhador precise se benzer antes de subir no andaime. Mas, na prática, quem é esse profissional? Um verdadeiro guardião da vida ou apenas mais uma assinatura em um papel para cumprir tabela?
A verdade, como quase sempre no Brasil, mora em um cinzento e complicado meio-termo.
O que a Norma Diz: O Super-Homem da Segurança
No papel, as atribuições do supervisor de trabalho em altura são de fazer inveja a qualquer gestor de crise. A NR-35, emitida pelo então Ministério do Trabalho, é clara. Esse profissional, após passar por um treinamento específico de 40 horas, torna-se a referência máxima antes, durante e depois de qualquer atividade realizada acima de dois metros do chão.
Ele não é apenas o sujeito que libera o serviço. Ele precisa ter um conhecimento quase enciclopédico sobre os riscos. Pense comigo:
- Análise de Risco (AR) e Permissão de Trabalho (PT): Ele é o responsável final por garantir que todos os perigos foram mapeados e que as medidas de controle estão no lugar. Não é só assinar um formulário. É inspecionar o local, o equipamento, o tempo. É prever o imprevisível.
- Equipamentos: Deve saber inspecionar cada cinto de segurança, cada talabarte, cada ponto de ancoragem. Um equipamento com defeito não é um contratempo, é uma potencial sentença de morte.
- Planejamento e Supervisão: Coordenar a montagem de andaimes, o uso de plataformas elevatórias e garantir que a equipe inteira saiba o que fazer.
- Resgate: E se tudo der errado? Ele é o cara que precisa ter um plano de resgate pronto e exequível. Como tirar um homem desacordado de um poste a 15 metros de altura? O supervisor precisa ter essa resposta na ponta da língua.
Parece heroico, não? E é. O problema é quando a capa de herói é feita de papelório.
A Realidade do Canteiro de Obras: Entre a Cruz e a Espada
Agora, vamos sair da sala com ar-condicionado onde a norma foi escrita e pisar na lama do canteiro de obras. O que a gente encontra? Um cenário um pouco diferente. Muitas vezes, o “supervisor” é um técnico de segurança, um encarregado ou até mesmo um engenheiro que acumulou mais essa função. A pressão por produção, o cronograma apertado e a falta de recursos transformam a nobre tarefa em uma corrida para liberar o trabalho.
“Olha, ser supervisor de NR-35 hoje… é complicado. A gente faz o curso, aprende tudo, mas na hora H, o chefe quer a obra andando. A gente aponta um problema no andaime, e a resposta é: ‘Se vira, tem que entregar até sexta-feira’”, desabafa Mário S., técnico de segurança com mais de uma década de experiência na área industrial de São Paulo. Ele pede para não ter o sobrenome completo divulgado, um sintoma claro do medo que ronda o setor.
Essa pressão cria uma armadilha perigosa. O supervisor, que deveria ser a última barreira de proteção, vira o primeiro a flexibilizar as regras para não “atrapalhar” a produção.
Os Pecados Capitais do Supervisor na Prática
No dia a dia, alguns erros se repetem com uma frequência assustadora. São atalhos que parecem inofensivos, mas que pavimentam o caminho para o acidente.
Aqui está uma lista do que mais se vê por aí:
- Assinatura Cega: A Permissão de Trabalho vira um mero proforma. O supervisor assina a pilha de papéis na sua mesa, sem sequer ir ao local verificar se as condições descritas ali são reais.
- Ancoragem “Criativa”: Na falta de um ponto de ancoragem projetado, usa-se o que estiver à mão. Uma viga qualquer, uma estrutura de telhado duvidosa. O famoso “jeitinho brasileiro” aplicado onde ele é mais letal.
- Fiscalização de Fachada: O supervisor passa, olha de longe, vê todo mundo de capacete e cinto e segue o baile. Não verifica o ajuste do cinto, o estado do talabarte, o travamento do trava-quedas.
- Treinamento para Inglês Ver: A equipe inteira tem o certificado de 8 horas da NR-35, mas ninguém saberia realizar um auto-resgate ou ancorar o cinto corretamente se a vida dependesse disso. E, ironicamente, depende.
A Responsabilidade Civil e Criminal: A Assinatura que Custa Caro
O que muitos profissionais designados para essa função parecem esquecer, ou preferem não pensar, é no peso legal da sua assinatura. Em caso de acidente, o supervisor é um dos primeiros a ser chamado para dar explicações. A responsabilidade é solidária e pode recair sobre ele com força.
Se for provado que houve negligência, imprudência ou imperícia, as consequências são severas. E elas vão muito além da esfera trabalhista.
Esfera da Responsabilidade | Possíveis Consequências para o Supervisor |
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Administrativa | Multas aplicadas pela fiscalização do trabalho e até interdição da atividade. |
Civil | Processos de indenização por danos morais, materiais e estéticos movidos pela vítima ou sua família. |
Criminal | Pode responder por lesão corporal culposa ou, no pior cenário, por homicídio culposo, com pena de detenção. |
No fim das contas, a pergunta que fica é: vale a pena economizar alguns minutos ou reais em segurança e arriscar a liberdade, o patrimônio e, principalmente, a consciência?
A função do supervisor da NR-35 é essencial. Não é burocracia, é gestão de vida. Mas para que funcione, precisa ser levada a sério por todos: pelo empregador, que deve dar condições e autonomia; e pelo próprio supervisor, que precisa entender que sua caneta tem mais poder e responsabilidade do que ele imagina.
Este artigo foi elaborado com base em mais de 15 anos de apuração jornalística na cobertura de temas relacionados a trabalho, segurança e legislação no Brasil. A análise reflete a vivência em campo, conversas com trabalhadores, fiscais e especialistas, buscando ir além do texto da lei para entender a realidade do chão de fábrica e do canteiro de obras.
Perguntas e Respostas Frequentes (FAQ)
O que é preciso para ser um supervisor de trabalho em altura (NR-35)?
Legalmente, o profissional deve ser formalmente autorizado pela empresa e ter realizado um treinamento específico de capacitação com carga horária mínima de 40 horas. O conteúdo programático inclui o estudo da norma, análise de risco, procedimentos operacionais, inspeção de equipamentos, noções de resgate, entre outros.
Qualquer funcionário pode ser designado como supervisor?
Sim, a norma não exige uma formação técnica específica (como engenharia ou técnico de segurança). Qualquer trabalhador pode ser designado pela empresa, desde que passe pela capacitação de 40 horas e seja considerado apto. No entanto, na prática, espera-se que essa pessoa tenha maturidade, liderança e conhecimento prévio dos processos de trabalho.
O supervisor pode ser responsabilizado criminalmente por um acidente?
Sim. Se a investigação do acidente apontar que o supervisor agiu com negligência (deixou de fazer algo que deveria), imprudência (agiu de forma arriscada) ou imperícia (não tinha o conhecimento necessário), ele pode ser indiciado e responder criminalmente por lesão corporal culposa ou homicídio culposo, conforme o artigo 121 ou 129 do Código Penal.
O supervisor também executa o trabalho em altura?
Não necessariamente. A função primordial do supervisor é planejar, supervisionar e liberar a atividade. Ele pode ou não ser um dos executantes. O mais importante é que ele esteja focado em garantir que todas as medidas de segurança estejam sendo cumpridas pela equipe.
Qual a validade do treinamento de supervisor da NR-35?
A NR-35 não estabelece uma validade específica para o treinamento de 40 horas do supervisor. No entanto, ela exige um treinamento de reciclagem (reciclagem bienal) sempre que ocorrerem mudanças nos procedimentos, condições de trabalho, eventos que indiquem necessidade de novo treinamento ou quando do retorno de afastamento ao trabalho por período superior a 90 dias. A boa prática, recomendada por muitos especialistas, é realizar uma reciclagem a cada 2 anos, alinhada com a validade do treinamento dos trabalhadores executantes.
Fonte de referência para consulta da norma: Para informações detalhadas sobre a Norma Regulamentadora 35, consulte o portal oficial do Governo Federal sobre as Normas Regulamentadoras.